quinta-feira, 29 de novembro de 2018

A Península Ibérica e os Lusitanos


Ao estudarmos a História de Portugal e recuando aos tempos mais remotos, encontramos a Península Ibérica conhecida por Spania. São diversas as conjeturas acerca da origem deste nome. A mais provável é que ele deriva do Fenício span, que quer dizer esconderijo. Para os Fenícios, a Península era uma região longínqua e como que escondida nos confins da terra, num tempo em que a navegação estava ainda no seu começo, e as distâncias e os longes se mediam pelas dificuldades dos meios de deslocação. A etimologia da palavra Espanha derivada da fenícia span, parece pois legítima. Também se diz que que o nome spania vem do facto de ali terem encontrado grande quantidade de coelhos, de cuja significação, duplicada de oculta e coelho, viesse o nome à “Hespanha”. Os Gregos também denominavam frequentemente esta região de Hespera, país do ocidente, face à sua situação geográfica a oeste, em relação à Grécia; em grego hespera significa tarde, ocidente. Os poetas Romanos muitas vezes lhe davam esta denominação, porque a sua língua e literatura tinham muitas palavras emprestadas do Grego.
O nome Ibéria pelo qual é designada a Península mais comummente, surge pela primeira vez na narração de Scylax de Carianda, explorador e marinheiro grego que viveu no século VI a.C. Num périplo à costa das colinas de Hércules (Gibraltar), abordou um rio chamado Iber, Ibris ou Iberos (Ebro), dando o primeiro nome à Península inteira e o de Iberos aos povos que a habitavam.
Com certeza não se pode afirmar que a Península foi habitada por alguma tribo ou família indígena. Dela não se conhece sinal ou vestígio algum certo, assim, a opinião mais comum é que ali terão havido povoações mais ou menos antigas, umas anteriores às outras.
O primeiro povo de que há notícia a habitar a “Hespanha”, é aquele de que parece descenderem os Bascos, os euskara ou euscaldunac, também denominados iberos. Já seis séculos antes da nossa era deixou este povo de ser preponderante na Península, como resultado da migração através dos Pirenéus dum outro povo, belicoso e bárbaro, os Celtas ou Célticos que, em resultado de ferozes combates e da sua superioridade em número, ocuparam toda a Península. Estes dois povos, originários da Ásia, fundiram-se num novo, exceto um outro que emigrou, com o nome de Liguros e Sícanos. É desta época que os autores datam a mistura do célebre povo que originou os Celtiberos. Cântabros, Arturos e Vascónios, ao norte; Galaicos e Lusitanos ao ocidente.
Uma outra versão sugere que estes Celtas, vindos da Gália, encontraram na Península outros povos celtas aí estabelecidos havia séculos, possuidores das melhores habitações e das melhores terras do que os recém-chegados, quiseram essas mesmas terras e habitações, e, por algum tempo, disputaram a sua posse em combates violentos, porém, porque nem todas as terras estavam ocupadas e havendo lugar para todos, trataram da paz e se reconheceram como homens da mesma estirpe, os antigos e os modernos, “hespanhóis-gauleses”, aliaram-se, e, do rio Ibero tomaram o nome de Celtiberos, que os distinguiu, quer dos Celtas residentes na Gália, quer dos antecedentemente estabelecidos na “Hespanha”. Como quer que tenha sido, o que parece certo é que, da fusão destes povos, nasceram no território central da Ibéria as tribos mistas chamadas Celtiberos e os Célticos formaram os grupos tribais bárbaros:
Segundo Alexandre Herculano, a origem das nações deve procurar-se na agregação de homens ligados por certas condições, distinguindo-se todas as sociedades humanas entre si por caracteres que determinam a existência individual desses corpos morais, caracteres que podem variar de uns para outros povos. No entanto, segundo a opinião do mesmo autor, há três pelos quais comummente se aprecia a unidade ou entidade nacional de diversas e sucessivas gerações, são eles: a raça, a língua e o território. Desta forma se poderá, afirma o escritor, estabelecer a transição natural dos povos a que pretendemos atribuir a origem da nação, do povo cuja história queremos conhecer.
Como é historicamente que consideramos a nação portuguesa, importa saber se entre nós e algum dos povos ou tribos que em tempos remotos habitaram a Península Ibérica, existem pontos de contacto que nos liguem a esses povos primitivos.
No começo da história, os nossos cronistas terão sentido que, antes dessa época, faltaria algo que unisse o Portugal que nascia, ao mundo antigo. Portugal seria como que um conjunto de fragmentos de povos habitadores da Península, diversos em tribos, em costumes e em línguas, cujas mudanças e revoluções se ligavam complexamente na passagem do tempo por um facto constante – os limites topográficos deste território entre os Pirenéus e o mar. Para isso se enumeraram as diversas tribos que supostamente ocuparam o nosso território e os limites onde elas assentaram. Naquilo que nos interessa, o povo a quem alguns historiadores acharam por nossos avós, foi encontrado – são os Lusitanos. Resta examinar quem eram estes antepassados nossos e os territórios em que habitavam, para depois vermos se subsistem as relações mais características de família e língua.
Os limites do nosso Portugal moderno não são os mesmos, em termos geográficos, da antiga Lusitânia, e mesmo estes não eram precisos. Segundo Estrabão, o território da Lusitânia era limitado a norte e poente pelo oceano, limitado a sul pelo Tejo e para o oriente ultrapassava em muito as nossas atuais fronteiras. Também, segundo o mesmo autor, o oeste da Ibéria constava de três grandes regiões, determinadas fisicamente: o Cynetium (Algarve), a Mesoptâmia (entre Tejo e Guadiana) e a Lusitânia primitiva (entre o Tejo e o extremo norte da Galiza), a qual se decompunha em duas áreas: comarca dentre Douro e Tejo e a Galiza (ou Callaecia). No entanto, alega-se que são indecisas as noções de Estrabão, pois ora inclui a Galiza e o território de entre Douro e Minho na Lusitânia, ora os separa estabelecendo o Douro como divisória, fazendo ocupar este território por uma emigração dos Celtas (Turdetanos e Túrdulos). No tempo da cultura castreja (século VI a.C.), ao que parece, o país situava-se entre os rios Minho e Douro e o Guadiana a sul. A pátria Lusitana ocuparia a metade, a região entre o Douro e o Tejo. Porém, o que evidentemente se deduz dos geógrafos antigos, tanto dos que falaram da Lusitânia antes da conquista romana, como dos que se fundamentaram nas divisões por estes estabelecida, os territórios a que se deu o nome de Lusitânia estendiam-se pelas províncias espanholas muito para além das fronteiras orientais de Portugal. Parece certo na nova divisão das províncias da “Hespanha”, feita pelos Romanos, que estes fixaram a Lusitânia, ao norte no Douro, a sul no Guadiana e para o oriente iam muito além da raia portuguesa, incluindo Salamanca até próximo de Toledo, daí para sul e depois para nascente seguindo o curso do Guadiana desde a nascente até à sua foz.
Os grupos étnicos que habitavam a Lusitânia na proto-história, isto é, na fase de transição entre a pré-história e a história (aparecimento dos primeiros objetos de metal, a escrita e também a chegada dos Romanos à Península, no século III a.C.), terão sido os seguintes: na região do Cynetium viviam os Cynetes ou Curetes, os Cemsi, os Glaetes, os Turdetani e os Celtici; a norte do Tagus (Tejo), encontramos os Turdeli Veteres, os Transcudani, os Igaeditani e os Presuni ainda a sul do Douro. Do Douro para o extremo norte habitavam os Callaeci. Também na mesma região habitariam outros Celtici, povos resultantes da fusão de Celtas com Callaeci, de que se distinguem os Grovi. Ainda entre o Durius (Douro) e o Minius (Minho) se situavam os Callaico Bracari, os Leuni e os Seurbi. Para leste, na região a que hoje corresponde Trás-os-Montes, ficavam os Turodi. Por aqui se vê que não existia unidade social na Lusitânia, e que as populações estavam distribuídas por tribos. Terão sido os Fenícios, Lígures, Gregos, Celtas e Cartagineses, que, cruzando-se com os primitivos povos das Lusitânia, deram origem aos Lusitanos proto-históricos.
O nome Lusitânia, segundo alguns autores, deriva de Lusitani. Têm sido diversas as hipóteses emitidas, quanto à sua origem: segundo uns, provém de Lusus ou Lysa, segundo a qual a raiz Lus era muito vulgar em território celta, porém outros o deduzem de Liusetani, por sua vez tirado de liguses, antiga forma de Lígures. Uma outra hipótese defendida é a que funda a etimologia de Lusitani em Lusones, nome de uma tribo celtibérica de que falam Estrabão e Apiano. Também se afirma que a origem do nome Lusitânia se baseia no costume dos Iberos dizerem os nomes das cidades, províncias, países, do dos povos que ali habitavam, acrescentando-lhes uma palavra: do nome Lusões ou Lusas, acrescentando-lhes tania, se compõe o de Lusitânia, que na língua céltica quer dizer, terra, província ou pátria dos Lutos. O nome de Lusões, vem de Lous, querendo dizer grandeza, altura, valentia, ao pouco que os assustava a morte e ao ódio com que abominavam o domínio estrangeiro. Se esta etimologia dada ao termo Lusitânia não é correta, parece no entanto ser a mais razoável, dado assentar em factos reais. Esta denominação veio a ser tão familiar aos romanos, que por este único nome conheceram este povo, embora os Lusitanos algumas vezes se apelidassem de Bellitanos e outras de Bellidonios.
Acaso seria possível que todos estes povos ou etnias, já confundidos nos territórios centrais quando da abordagem dos Cartagineses, conseguisse resistir sem se alterar, às invasões dos Gregos e Fenícios, à conquista romana, à invasão dos Alanos, Visigodos e à conquista árabe? O Celticismo das primeiras migrações asiáticas, foi sendo destruído pelo longo domínio Cartaginês, tendo desaparecido por completo sob o império dos Romanos, deixando apenas alguns fragmentos dos seus altares e rudes moradas, ou uma e outra palavra da sua linguagem. O esquecimento, principiado com os estabelecimentos comerciais (a abordagem dos fenícios) e continuado pelos sistemas políticos das grandes nações que invadiram a Península, acabou com a fusão destes povos na nação romana. Se esta assimilação ainda não era completa, durante o século VI, época em que definitivamente o império visigótico se assentou na Península, os Visigodos tinham o seu código, uma compilação dos seus costumes tradicionais, os vencidos (hispano-romanos), regiam-se pela lei romana, e, em meados do século VII, já todos os povos se achavam assaz confundidos. Para não haver descriminação entre vencedores e vencidos, se publicou o célebre código visigótico, onde as diversas instituições bárbaras e romanas se encontraram, modificaram e se aboliram as últimas distinções legais. Século e meio de trato sucessivo entre homens unidos pela mesma crença religiosa, não se passou em vão, pois trouxe a equiparação dos dois povos em direitos e deveres e a sua fusão completa. A conquista árabe já não foi assim, dado que entre os povos visigóticos e os sarracenos havia a diferença das religiões; no entanto, as relações amigáveis que se estabeleciam entre os chefes dos dois povos, os usos, os costumes e ainda as instituições que passaram de uma sociedade para a outra, mostram que apesar das crenças, da rivalidade do domínio e dos rios de sangue vertido, os dois povos se moldaram ao contato um do outro.
O mesmo se poderá dizer na língua. A linguagem céltica não deixou vestígios e os efeitos da conquista romana alargaram-se também à transformação dos idiomas da Península. Antes falar-se-ia uma linguagem bárbara e confusa à mistura de Ibérico, Céltico, Fenício, Grego e Púnico (cartaginês), porque estas foram as misturas no sangue dos habitantes da Península, e ainda existem vestígios. Com a conquista romana, transformaram-se os idiomas; os vencedores impuseram-se aos vencidos. Era este um dos elementos da dominação do império, quer nos povos vencidos, quer nos aliados. A seguir aos Romanos, vieram os Visigodos e os Árabes, e deles nos restam ainda vestígios da linguagem.
Tendo havido pois uma assimilação completa dos povos habitadores de toda Península perante o domínio visigodo, parece que a razão que alguns autores encontraram para nossos avós, apenas assenta na realidade geográfica donde nasceu Portugal, pois nos povos que habitavam a Lusitânia não se encontravam reunidas as outras duas condições de que falava Alexandre Herculano.
No entanto, os historiadores que acham que os nossos antepassados são os Lusitanos, argumentam com o facto de que há uma originalidade coletiva no povo português. A unidade histórica peninsular, apesar do dualismo político, será a prova da originalidade portuguesa. De entre as tribos ibéricas, a lusitana era, se não a mais, uma das mais caracterizadas individualmente; há no génio português algo de vago e fugitivo, contrastante com a afirmativa do castelhano. No heroísmo lusitano há uma nobreza que difere da fúria espanhola; nas nossas letras e pensamento há uma nota profunda e sentimental, irónica ou meiga, que não se encontra na civilização de Castela – violenta, apaixonada, capaz de inventivas, mas alheia a toda a ironia, – mais que humana muitas vezes, mas outras abaixo da craveira humana, mais parecida com as feras. Trágica e ardente, a história espanhola é diferente da portuguesa, mais épica; as dissemelhanças da história traduzem as diferenças de carácter. Creem que a individualidade do carácter dos lusitanos provem duma dose maior de sangue celta que gira nas nossas veias, misturado com o nosso sangue ibérico. Os nomes próprios de lugares, de nomes de pessoas e divindades, extraídos das inscrições latinas da Lusitânia e da Tarraconense, que constituem o nosso Portugal, provam a preponderância de um elemento céltico.
Sem pretensões de prender ou afastar a nossa história com a desses povos que nos precederam, apenas se apresentam alguns dos fundamentos que há para rejeitar, ou não, essa paternidade. A história desse tempo é escura e os relatos dos acontecimentos que mudaram tanta vez, só começa a aclarar-se com os relatos dos historiadores gregos e romanos, que nos contam as guerras que uns e outros sustentaram na Península para aqui estabelecerem o seu domínio.
M. S.
Bibliografia:
História de Portugal desde os tempos primitivos… (Introdução – Francisco Duarte d’Almeida e Araújo) (Biblioteca Pública Nacional, Lisboa)
História de Portugal (Alexandre Herculano – 8ª edição – tomo I – Introdução) Biblioteca Pública Nacional, Lisboa)
História de Portugal (J. P. Oliveira Martins – tomo I) (Biblioteca Pública Nacional, Lisboa)
Revista Nova Acrópole nº 30 – 1986 (Eduardo Amarante)

terça-feira, 24 de abril de 2018

Reflecção sobre Agualva

AGUALVA
 Topónimo sem grandes dificuldades de etimologia. Deriva de Água Alva (do latim Aqua Alba). A primeira referência conhecida surge nas Inquisições Afonsinas de 1220, que anotam entre os bens do Mosteiro de S. Vicente de Fora, uma herdade em Água Alva com dois casais (in aqua albunam hereditatem cum duobus casalibus).

Em 1272 aparece referida a Ribeira de Aqua Alba. Em 1286 tem já a forma portuguesa Agua Alva.
Foi sofrendo diversas alterações, e hesita em fixar-se numa forma definitiva; desde 1323 até princípios do séc. XIX escrevia-se Agoalva.
Agualva vai buscar as suas origens à água que ali passava com grande abundância e, ao que tudo indica era alva e pura.
Antes disso, chamava-se Jarda, de Jardo, o que significa amarelento, termo que, aplicado aos homens, quer dizer "homem loiro".
É precisamente com este apelido ou alcunha que nos aparece no séc. XIII, aquela que é a figura mais ilustre da freguesia:
Domingos Anes Jardo.
 Nasceu em Agualva-Cacém, no seio de uma família humilde, foi Bispo de Évora e Lisboa, e fundador do Convento dos Loios, Chanceler-Mor do Rei D. Dinis e fundador da Universidade de Lisboa, e ainda do Seminário de Santo Elói, São Paulo e São Clemente, tendo deixado por sua morte, todos os bens a este Seminário. Faleceu em Dezembro de 1294.
Agualva é a mais jovem freguesia das quinze que constituem o concelho de Sintra. Vem de tempos remotos a fixação das primeiras populações no local.
Agualva, Vila e Cidade
A freguesia de Agualva-Cacém, criada pelo Decreto-Lei nº. 39210, de 15 de Maio de 1953, tem conhecido um processo de evolução e desenvolvimento que a têm descaracterizado e isolado naquele conjunto de "vilas dormitório" que foram crescendo ao longo da linha de comboio, que liga Sintra a Lisboa.
Esta freguesia, que hoje vive entre o desconforto das grandes urbanizações, ainda preserva algumas memórias do passado. Estas tiveram até há poucos anos atrás, enquadradas numa paisagem descrita por muitos autores, como desafogada e com um tanto revestimento vegetal de vinhedos, pinheiros, eucaliptos e oliveiras.
A ocupação destas terras é muito antiga, o que pode ser testemunhado pelo Monumento Funerário Pré-Histórico, que é a Anta de Agualva. Hoje encontra-se em bom estado de conservação, porque foram feitos esforços para preservar o espaço onde está implantado.
Também desse tempo merecem referência a Gruta de Colaride, espaço que o homem pré-histórico adotou para as suas práticas diárias.
Agualva-Cacém, tem tido grande desenvolvimento populacional e urbano, foi elevada a Vila pela Lei nº. 66/1985, e à categoria de Cidade pela Lei nº. 34/2001 de 12 de Julho.
Pela Lei nº. 11-A/2013 de 28 de Janeiro, dá cumprimento à obrigação de reorganização administrativa de algumas freguesias, nomeadamente Agualva e Mira-Sintra, passando a designar-se União de Freguesias de Agualva e Mira-Sintra.
Agualva e Mira-Sintra é a terceira maior freguesia do concelho de Sintra, destacando-se a sede dos Bombeiros Voluntários de Agualva-Cacém, a esquadra da PSP, uma Biblioteca Municipal, um Centro Lúdico, um Centro de Saúde, e uma Loja do cidadão, entre outros serviços.
Moinhos e Azenhas
Nalguns lugares da freguesia, aonde a urbanização desordenada ainda não chegou, encontram-se vestígios arruinados de alguns dos numerosos moinhos e azenhas que noutros tempos existiam por montes e ribeiros de Agualva-Cacém.
Hoje temos imensa dificuldade em imaginar a paisagem rural de então. Onde agora se erguem os enormes blocos de cimento armado que nos servem de "dormitórios", outrora eram casais agrícolas e quintas dispersas, que forneciam os legumes frescos para abastecer as grandes cidades.
FEIRA DE AGUALVA

A Feira de Agualva era uma das mais antigas da região saloia, que se realizava desde 1713 na Praça da República, tendo acabado infelizmente, em 2005, quebrando assim uma tradição de quase 300 anos.

A Feira de Agualva era sempre no mês de Maio, durava todo o mês, estendia-se desde a Praça da República (Largo da Feira) até à linha do Caminho-de-ferro, tinha todo o tipo de comércio, desde restaurantes, onde se comiam as primeiras sardinhas da época, vestuário, legumes e hortaliças, apetrechos para o lar, barracas de farturas, carroceis, etc.
 Era uma referência na região, havia convívio principalmente ao final do dia e fins-de-semana. Tudo foi desaparecendo, até o "coreto" e com as últimas obras de Requalificação da Praça, temos agora um espaço enorme que mais parece um deserto!
Afinal nem tudo acaba bem...
Proteção e valorização Do património cultural de Agualva - Cacém
Têm-se deparado com difíceis obstáculos, os habitantes desta localidade vivem alheios às tradições e história local. Não sentem nem se identificam com uma herança cultural que também é sua, e por vezes assistem quase indiferentes à progressiva degradação e destruição do património cultural construído e do património natural.
 De salientar o papel da Autarquia na desmistificação desta situação, promovendo ações de divulgação junto dos moradores para que possam dar valor não só ao espaço em que vivem, mas também ao património que os envolve, para que se verifique uma melhoria da qualidade de vida e bem-estar da população.
Mimi Diogo (Maria Diogo)

Tapetes de Arraiolos

A História de Arraiolos parece perder-se no tempo. Vestígios relacionáveis com o Neolítico e o Calcolítico dão-nos sinais de uma significativa presença humana a partir do IV milénio AC e que, possivelmente, na elevação onde se localiza o castelo, seria já, na Proto-história, um grande local de habitação.
O historiador arraiolense Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, na sua obra «Memórias da Vila de Arraiolos», depois de se referir a alguns aspetos históricos, bem como da sua nobreza e antiguidade, refere “… seja como for, tenho por certo que em princípios do século XIII já havia população no sítio de Arraiolos…” É ainda o mesmo autor que nos transmite referências do padre António de Carvalho da Costa, na «Corographia Portugueza» (tomo 2 pág. 525) e do padre Luís Cardoso no «Diccionario Geographico» (tomo 1º pág. 590), onde se atribui a fundação de Arraiolos a Sabinos, Tusculanos e Albanos, que foram ocupantes da cidade de Évora, antes de Sertório, e deram o governo de Arraiolos ao capitão grego, Reyo. Deste nome parece ter derivado o nome da povoação, já que de Reyo terá passado a Rayolis, Rayeopolis, Arrayolos e hoje Arraiolos.
Em 1212 inicia-se um novo capítulo da história, com a concessão do termo do Arraiolos, por D. Afonso II, ao bispo de Évora, D. Soeiro, e ao cabido da Sé da dita cidade.
D. Dinis atribui à vila o seu primeiro foral, em 1290 e, em 1305, manda edificar o Castelo, sendo outorgado o contrato para a sua construção em 26 de Dezembro do mesmo ano, entre o Rei e o Concelho, representado por João Anes e Martim Fernandes.
O título de Conde de Arraiolos foi originalmente concedido, por carta de D. Fernando, em 1371, a Álvaro Pires de Castro (irmão de Inês de Castro), ficando o título vago por o seu filho legítimo herdeiro (D. Pedro) ter seguido o partido de Castela. Em 16 de dezembro de 1387, D. João I nomeou D. Nuno Alvares Pereira, o Condestável, como 2º Conde de Arraiolos, tendo este ali vivido longos períodos da sua vida antes de se recolher ao Convento do Carmo, em Lisboa.
Em 1511 Arraiolos recebe novo foral de D. Manuel I.
Tendo os seus limites administrativos a partir de 1736, Arraiolos sofreu entretanto algumas alterações: inclusão no distrito de Évora (1835); anexação do concelho de Vimieiro (1855); anexação do concelho de Mora (1895) e, depois, sua desanexação (1898).
ARRAIOLOS, TERRA DOS TAPETES
Os Tapetes de Arraiolos são de há séculos a imagem de marca a que a vila e o concelho são indissociáveis. São séculos de história bordados à mão por gerações de bordadeiras que fizeram chegar até aos nossos dias o nosso mais genuíno artesanato, «o Tapete de Arraiolos». Arte antiga feita de muitos “saberes” e um mesmo “saber fazer”, que mãos exímias souberam construir, numa manifestação artística conhecida em todo o mundo e com lugar de destaque nas artes portuguesas, cuja origem se perde ao longo do tempo, testemunho de uma manufatura própria e única, sem repetição em qualquer outra parte do mundo. Peça têxtil genuinamente portuguesa, parte da história de Portugal, onde a influência oriental é a sua base estrutural decorativa, misturada com o saber local do bordar, através do uso do ponto cruzado oblíquo.
O ponto cruzado surge na Península a partir do século XII, sendo manifesta a utilização duma técnica com características muçulmanas (a Espanha recorre à seda, Portugal à lã).
Acerca da origem e história dos Tapetes de Arraiolos sabe-se que a região dispunha de condições favoráveis para o desenvolvimento deste artesanato, onde abundava a produção de lã em paralelo com uma importante atividade têxtil.
Arraiolos terá sido um dos locais onde se terão estabelecido algumas famílias de mouros expulsos por D. Manuel I, em 1496. Localizaram-se na região alentejana, onde deitou raízes a influência islâmica e, debaixo da aparência da recente conversão, apoiaram-se nos seus tradicionais ofícios.
Já na primeira metade do século XVIII, Arraiolos fornecia outras regiões do País, tornando-se no principal centro deste tipo de bordado. Este tipo de tapetes era habitualmente utilizado no arranjo decorativo da casa portuguesa do século XVIII (revestimento de paredes, mesas e arcas, e cobertura de pavimentos).
 Em documentação relativa à sisa de 1573, do núcleo urbano com profissão indicada, de 122 moradores, 31 (25%) tinham profissões ligadas ao ramo: 18 tecelões, 7 cardadores, 2 pisoeiros, 2 tosadores, 1 tintureiro e 1 surrador. Os próprios inventários dão conta da importância destas atividades no conjunto da população. A produção de tapetes exigia quási todas estas as profissões, quer na preparação da lã e coloração, quer na produção da tela na qual o bordado se executava.
A referência mais antiga conhecida está no inventário (1598) de Catarina Rodrigues, mulher de João Lourenço, lavrador e morador na herdade de Bolelos, no termo de Arraiolos, onde é descrita a existência de um tapete da terra, novo, avaliado em “dous mil Reis”, que se encontra no Arquivo Municipal de Arraiolos. No mesmo arquivo se encontra descrito outro exemplar, que a bordadeira deixou incompleto, no inventário de Juliana Dordio, mulher de Belchior Meirinho, moradora em Arraiolos, na rua da Cruz, onde de entre os bens do casal se menciona “hum tapete por acabar avaliado em mil Reis” e, mais à frente “huns pouquos de novelos de fiado de lam para tapete de cores avalliados em tressentos Reis”, “sinquo vellos de lam quatro pretos e hum branquo (…)” e “des aRateis de lam asul (…)”.
Se há referências que provam que já em 1598 se bordavam tapetes em Arraiolos, recentes investigações documentais e arqueológicas apontam para que as origens de produção desta expressão artística, em Arraiolos, sejam ainda mais antigas.
Com efeito, o estudo de amostras recolhidas pelo Laboratório do Museu de Arqueologia da Catalunha (Barcelona), provenientes das fossas escavadas na Praça do Município, identificou a presença de lã de ovelha com restos de tintura por ação da raiz da “Rubia tintorum”, uma das plantas utilizadas na tinturaria, assim como escavações arqueológicas, sob a responsabilidade da arqueológa Ana Gonçalves, realizadas na Praça Lima e Brito, sem prejuízo de uma investigação mais pormenorizada, indiciam a produção de tapetes em Arraiolos para uma fase anterior ao século XV.
M.S.
Fontes: 
http://www.bdalentejo.net/BDAObra/obras/80/BlocosPDF/bloco09-55_64.pdf
http://www.cm-arraiolos.pt/pt/site-visitar/tapetes%20de%20arraiolos/Paginas/Breve-apontamento-historico.aspx
http://www.cm-arraiolos.pt/pt/site-municipio/O%20Concelho/Paginas/Apontamento-Hist%C3%B3rico.aspx
https://www.infopedia.pt/$tapetes-de-arraiolos
Dissertação de Rita Carvalho Teixeira de Oliveira Marques, FCT da Universidade Nova de Lisboa (Grau de Mestre em Conservação e Restauro)

sábado, 21 de abril de 2018

Agualva, Sintra


“O povoamento do território da freguesia remonta à conquista Cristã de Lisboa e Sintra aos Mouros, em 1147, por D. Afonso Henriques. A primeira referência conhecida surge nas inquirições Afonsinas de 1220.
No século XII, “Agualva” e Cacém já eram povoadas. O curso da ribeira das Jardas ou da Água Alva demarcavam então os limites administrativos e paroquiais. Agualva e outros lugares da margem esquerda da Ribeira faziam parte da freguesia de Belas, enquanto Cacém, São Marcos e outros lugares da margem direita estavam integrados no termo de Sintra e faziam parte da freguesia de Rio de Mouro.
Note-se que Agualva, enquanto lugar da freguesia de Belas era lugar conhecido por Jardo, o que levou o célebre Bispo de Lisboa, D. Domingos, por ter nascido ali a apelidar-se de Jardo.
Nos séculos seguintes expandiu-se o povoamento e a ocupação do território com o aparecimento de várias quintas solarengas (Quinta da Barroca, Quinta da Fidalga, Quinta do Tojal, etc.). No final do séc. XVIII Agualva-Cacém teria cerca de 450 habitantes e em meados do séc. XIX cerca de 500. A 3 de Junho de 1709 é dado alvará à feira de Agualva, uma das mais antigas da região saloia, com o objetivo de manter a ermida de Nª. Sra. da Consolação.” (https://www.jf-agualvamirasintra.pt/a-freguesia/origemhistoria/)
Segundo o Diccionario Geografico do padre Luís Cardoso da Congregação do Oratorio de Lisboa, Academico Real do Numero da Historia Portuguesa, Tomo I, (Biblioteca Nacional de Lisboa), Agualva é «Lugar na Província da Estremadura, Patriarcado de Lisboa e Termo da Cidade de Lisboa, Comarca de Torres Vedras, Freguesia de Nossa Senhora de Misericórdia de Belas: tem trinta e oito vizinhos com sua Ermida dedicada a N. Senhora da Consolação, Imagem milagrosa e de muita romagem no mês de Maio. Há outra Ermida dedicada a N. Senhora do Carmo, de José Ramos da Silva, Provedor da Casa da Moeda
Foi neste lugar, outrora chamado Jardo, ou Jarda, hoje conhecido com o nome de Agualva, que nasceu de pais humildes o arcebispo D. Domingos, que da sua terra adotou o sobrenome de Jardo, “igualmente assistido dos dotes da natureza e desamparado dos bens da fortuna”. Vendo-se este entre as misérias e ignorâncias da sua terra e levado do grande desejo que tinha de se entregar no estudo das letras, “para que tinha natural inclinação”, aos catorze anos resolveu deixar o lugar e a companhia de seus pais´, indo para a Lisboa. Vendo que ali não havia estudos, partiu para a Cidade de Paris, para cursar naquela Universidade, acabando por se laurear na faculdade dos sagrados Cânones, onde adquiriu nome e foi conhecido geralmente por insigne letrado entre os grandes daquela Universidade. Era grande o desejo de voltar para a sua Pátria, porém, ainda passou por Roma, visitando os lugares santos e acabando aí por se ordenar Sacerdote; durante o tempo em que esteve na Cúria Romana, vagando uma Conezia de Évora, foi nela provido e veio para o Reino, dando-se logo a conhecer pelos seus dotes de grande letrado, “por cuja causa o Senhor Rei D. Afonso IV (a) o chamou a si e o fez seu Chanceler-mor.” Na vagante do arcebispado de Évora, foi ocupar lugar naquela Mitra; pouco depois vagando o de Lisboa, foi transferido neste arcebispado pelo Sumo Pontífice Nicolau IV, “com grande gosto do Senhor Rei D. Dinis”.
Vendo D. Domingos Jardo o grande desfavor que causava a este Reino a falta de estudos, o que não permitia o aproveitamento de algumas pessoas com talento e inclinação para as letras, para que se não deixassem de aproveitar, pediu ao Rei D. Dinis que instituísse neste Reino uma Universidade, o qual facilmente se deixou persuadir e logo erigiu uma no bairro de Alfama, na Corte de Lisboa, com o nome de Escolas Gerais, que mais tarde se transferiu para Coimbra, “com grande glória” do Arcebispo D. Domingos Jardo. Fundou também em Lisboa o Hospital de Santo Elói, situado na freguesia de S. Bartolomeu, em favor dos merceeiros, estudantes e clérigos de vida comum, que pertenceu à Congregação dos Cónegos Seculares de São João Evangelista (conhecidos por Loios) e nele jaz sepultado. Foi a sua morte em 16 de Dezembro de 1293.
(a)   Possível erro tipográfico. Deverá ser D. Afonso III.
M.S.
Fontes:
Dicionário Geográfico ou Noticia Historica, Pdre. Luís Cardoso da Congregação do Oratorio de Lisboa, Academia Real do Numero da Historia Portuguesa, Tomo I, Regia Officina SYLVIANA, e da Academia Real, MDCCXLVII. Biblioteca Nacional de Lisboa. Págs. 73 a 74.
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